Quaresma não tem nada a ver com tristeza e “cara feia”. Tem a ver com compromisso. É um momento desafiante.
A
Quaresma é o caminho de volta para as origens. É o retorno para a casa
do Pai. É uma oportunidade para consertar os estragos causados pelo
pecado e começar tudo de novo. É tempo de reconciliação e de conversão. É
uma “maratona” rumo à celebração da Páscoa, ao encontro com o
Ressuscitado.
O que
nos espera é a vitória sobre o mal, o pecado e a morte. O desfecho
final é a experiência da salvação, a reconciliação com Deus e com os
outros e a explosão da Vida. O caminho é em subida. Não é moleza. Tem o
morro do Calvário para escalar e, para complicar a nossa vida, tem uma
Cruz para carregar. Mas vale a pena encarar. Está em jogo o “novo mundo”
que todos nós sonhamos.
A Terra pode se tornar um paraíso se todo ser humano morrer a si mesmo e fizer de Jesus seu modelo de vida.
A
Quaresma é o período do ano litúrgico que eu considero especial porque é
uma oportunidade para entrar em si e fazer uma avaliação profunda da
própria vida. Se o Carnaval é considerado tempo de “extravasar”, a
Quaresma é o momento de “mergulhar em si mesmo” e deixar que Deus
“envase” o seu Espírito em nossa vida para ajudar cada um de nós a
procurar a Verdade sobre si mesmo e sobre Deus. Este itinerário para
dentro de si em busca do essencial é imprescindível. O ser humano, hoje
como nunca, está perdido. Vive imerso em constantes crises de
identidade. Passa a maior parte do tempo “fora de si”. Anda a toa pelas
regiões periféricas da vida. Vive “descentralizado”. Perde-se nas
minúcias ou, pior ainda, nas mesquinharias. Aposta tudo em coisas que
parecem essenciais, mas que, na realidade, não passam de supérfluas.
Vive num mundo de meias verdades e, portanto, de falsas verdades. Modela
uma verdade caseira, restrita no âmbito de seus próprios gostos e
aprisionada nos seus caprichos.
Para o
cristão não há dúvidas: é Jesus a Via, a Verdade e a Vida. Sem Ele é
como andar a toa. Longe dele é sucatear a vida. Fora dele, qualquer
outro modelo é versão pirata da existência humana. A Quaresma é justamente o momento do confronto com a Verdade.
É um itinerário que tem como ponto de chegada o encontro com a pessoa
de Jesus Cristo, o único que pode nos revelar a nós mesmos e dar sentido
à nossa vida. É um verdadeiro processo de reconstrução. É como brincar
de quebra-cabeça. Trata-se de encaixar cada peça da nossa vida no lugar
certo olhando o tempo todo para o desenho original. O modelo para nós é
Jesus Cristo. Então a Quaresma é levantar a cabeça e apontar o nosso
olhar para Ele recompondo o nosso ser segundo seu projeto de vida,
descartando tudo aquilo que desfigura a nossa essência e prejudica a
nossa identidade. É nisso que consiste a conversão. Para nos ajudar
nesse caminho, a Quaresma oferece três exercícios que desde sempre
formam uma espécie de academia da alma: a esmola, a oração e o jejum.
A esmola é
muito mais do que os trocados oferecidos ao pobre da esquina. Ela nos
lembra que a vida é um dom de Deus que se enriquece na medida em que é
partilhada. A esmola é dar, mas antes de tudo é dar-se. É
reconhecer-se e “viver-se” como ser solidário. É comprometer-se. É
desgastar-se pelos outros. É doar tempo, escuta, diálogo, compaixão e, porque não, também apoio econômico a quem necessita.
A oração é
o momento em que nos colocamos à presença de Deus, frente a frente com
Ele. É o nosso deserto do dia-a-dia, o lugar do abandono confiante, do
enamoramento. É o espaço da intimidade com o Pai. É o momento do
diálogo com o Ele, onde, além de falar-lhe de nós mesmos e das nossas
preocupações, sabemos fazer silêncio para ouvirmos o que Ele tem para
nos falar. Ele já sabe tudo de nós. Não precisamos ficar insistindo
sobre as nossas coisas. Somos nós que sabemos pouco dele. Daí a
necessidade de ouvi-lo com mais atenção. Portanto não se trata de
quantas e quais orações dizer, mas de consagrar um tempo para ficar com o
coração sintonizado com Deus, conhecer sua vontade e dispor-se a
realizá-la no dia-a-dia.
Enfim o jejum.
Não pode ser liquidado à abstinência da carne ou a uma simples redução
da quantidade de comida. O seu significado é muito mais profundo. Por
trás dele há umas perguntas decisivas: “Qual é o alimento principal da
minha vida? Com que abasteço a minha existência? Quais são as minhas
prioridades e os valores que orientam as minhas escolhas?”. O jejum
serve a rever a pirâmide das prioridades, a identificar as nossas
idolatrias, a apontar as coisas que nos ocupam e nos preocupam, a
discernir os nossos interesses e a desvendar as opções pelas quais
estamos dispostos a arriscar a nossa pele. Revela as coisas de que temos
fome de verdade. Jejuar é esvaziar a barriga, o coração e a cabeça de
tantas coisas supérfluas e contaminadas para voltar a sentir fome e sede
de Deus e do seu jeito amoroso e cuidadoso de ser. Jejuar é muito mais do que diminuir as calorias ou desistir das proteínas da carne. É
limpar a língua das conversas fiadas e das fofocas que machucam os
outros e semeiam a maldade; é se desligar da televisão para conversar
mais com seus familiares; é não se deixar engolir pela ambição e a
vontade louca de fazer dinheiro para deixar mais tempo para marcar
presença em família e brincar com os filhos; é se libertar do egoísmo
para ter mais tempo para colaborar com a comunidade e socorrer aqueles
que necessitam de nossa ajuda; é correr menos atrás da aparência e
investir mais na essência; é desistir da lógica da violência e
assumir a cultura da paz; é se livrar mais na essência; é desistir da
lógica da violência e assumir a cultura da paz; é se livrar das drogas
para não alimentar a criminalidade; é se manter longe da corrupção para
investir todos os recursos em benefício do bem comum; é abdicar do
“jeitinho brasileiro” e agir sempre na legalidade. Jejuar é desistir das idolatrias para fazer espaço a Deus e ao seu projeto de amor.
A graça de Deus nos sustente nessa empreitada.
Padre Saverio Paolillo (Pe. Xavier)
Missionário Comboniano Pastoral do Menor e Pastoral Carcerária da Arquidiocese de Vitória do E.S.
Rede AICA – Atendimento Integrado à Criança e ao Adolescente
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